segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O que guardei de você, Papai





Apesar de a morte ser uma certeza que todos temos, é um dos conceitos mais abstratos que existem. É surreal, é imprevisível, é doloroso, é inexplicável e inevitável. Mas quando ela chega – e sempre chega, é impossível não repensar a vida. Quando tudo vai embora e o que nos resta apenas o EU, voltamo-nos para dentro de nós para nos reavaliar, nos reestruturar e nos reinventar.
Fazendo esta auto-analise, sob a morte – fim ultimo como pano de fundo, foi inevitável não olhar para trás;  olhar para a morte do meu pai e imaginar como tudo poderia ter sido diferente e que muito embora não temos controle sobre o fim, podemos dar fins diferentes para este fim.
A primeira coisa que imaginei foi como seria se o casamento dos meus pais tivesse dado certo, aliás, ter dado certo é muito vago. Pensei em como seria se eles tivessem sido felizes juntos. Meu pai seria um homem responsável e trabalhador; sustentaria a família enquanto minha mãe ficava cuidando da casa, cozinhando um feijão novinho pra quando eu e minha irmã chegássemos da escola, comeríamos todos juntos.  Ela ensinaria o dever de casa pra gente e deixaria a gente brincar na rua até 18:00 horas e entraríamos junto com meu pai voltando do serviço, ele daria um beijo nela e ela perguntaria como foi o dia dele (...)
Eu teria sido um garoto normal como qualquer outro, teria entrado numa escolinha de futebol como era o sonho dos meus pais e eles estariam lá juntos comemorando cada gol que eu fizesse. Aos domingos eu e meu pai iríamos juntos comer tropeiro e torcer pelo Galo no Mineirão. Nas férias, iríamos todos para Cambuquira ver a vovó e engordar bastante.




Pois é, isso era tudo o que eu queria. Eu não me importaria se tivéssemos a nossa casa ou morássemos de aluguel, se viajássemos de carro ou de ônibus, eu só queria que estivéssemos juntos. Mas infelizmente essa não foi a vida que tive. Meus pais não deram certo juntos; minha mãe teve que abrir mão de ficar conosco para trabalhar de domingo a domingo; não me lembro de uma viagem em família que fizemos e eu me tornei aquele garoto que preferia observar do que falar, ficar sozinho na biblioteca lendo ao invés de estar nas quadras jogando bola.

A vida é como uma trama. Fatos, eventos, escolhas, fatalidades vão se costurando e formando aquilo que somos. Às vezes ficam pontas soltas, às vezes ficam buracos, espaços, mas é a vida. Só Deus sabe o quanto eu queria que tudo tivesse sido diferente. Aliás, foi bom falar em Deus. Porque ele foi o fator determinante em toda minha história. Pois se faltou o colo de Pai, Ele me ofereceu os braços dele; se faltou referência, pude conhecer e me espelhar no caráter de Cristo, um homem exemplar; se faltou consolo, recebi o Espírito Santo pra morar dentro de mim. A vida pode não ser justa na maioria das vezes, mas Deus é.

Por muitos anos achei que o único sentimento que conseguiria guardar do meu pai fosse mágoa. Me sentia tão hipócrita por fazer missões, levantar a bandeira do amor de Cristo e negar esse amor ao meu próprio Pai. Nos últimos tempos ele vinha tentando se aproximar, queria ser meu amigo, mas pra mim era indiferente. Tarde demais.

Mas graças a infinita misericórdia de Deus, pude ver que nele não há caminhos que não tem mais volta, nele há sempre esperança. E quando soube que meu pai estava no CTI em coma senti uma vontade enorme de vê-lo embora não tinha forças pra estar ali diante dele inconsciente. Mas dentro de mim, senti uma voz que gritava que precisava falar com ele. Mas pensei que teria tempo para conversar com ele, mas a voz insistia em dizer: Diga Pedro, diga! Ele precisa saber, você já adiou isso tempo demais. (Sem querer espiritualizar a situação, mas de fato senti isso dentro de mim.) Tomei coragem, e sussurrei ali no ouvido dele, em coma, que ele podia ficar em paz; que eu o perdoava e pedi perdão também por ter sido tão frio e que eu amava ele de verdade. A princípio fiquei em dúvida se ele havia me escutado, mas ele respondeu com uma lágrima que me perdoava. Nem com todas as palavras do mundo eu conseguiria descrever a paz que senti naquele momento e sobretudo por ter sido natural, não forçado e embora angustiado pela situação do meu pai, meu coração estava em paz e mais vez tive certeza de que Deus não deixa pontas soltas, meu Papai não poderia partir sem saber que eu o amava e Deus infinitamente mais.

Por tantos anos, as únicas lembranças que carregava do meu pai, eram de todos os aniversários da minha irmã que ele lembrava mas se esquecia do meu; de todos os domingos que minha mãe vestia a nossa melhor roupa para sair, mas ele não aparecia e de todas as formaturas e conquistas que ele nunca esteve presente. Mas o poder milagroso e libertador do perdão, me ofereceu em troca de todas essas lembranças ruins, apenas uma imagem, e é a que quero guardar do meu pai: Um domingo qualquer que ele me levou pro buteco da esquina, jogamos sinuca; ele comendo torresmo e eu batatinha; ele tomando cerveja e eu guarapan, e na volta pra casa ele me carregou de cavalinho, e eu me lembro que ali, em cima do pescoço dele eu me sentia tão grande, tão alto, e naquele momento tudo parecia tão possível; tão eterno; como se nada nem ninguém no mundo pudesse separar aquele elo de pai e filho que a gente tinha.
E foi só por esse motivo que não quis vê-lo no caixão. Porque esta era a imagem que queria guardar do meu pai e não queria que nenhuma lembrança ruim atrapalhasse mais a memória do meu papai.

Eu sempre achei meio demagógica essa santificação pós-morte que as pessoas fazem, mas hoje sei que a questão não é essa. A questão é que a morte é uma separação, mas que na saudade se encontra uma tentativa de revogar esta dura realidade, eternizando nossos queridos que se foram através de boas lembranças. Por isso só quero guardar o que for o melhor de você, Papai. Te vejo todos os dias quando deito para dormir, te vejo nas minhas mãos, te vejo no jeito da minha irmã, te vejo na casa da Bá e vou te ver pra sempre no meu coração.




7 comentários:

  1. Meu Deus do céu... não consigo parar de chorar ! Minha família é td na minha vida... eu, somente eu, posso reclamar, xingar, pq td não passa de blá, blá, blá. Eu tenho um amor incondicional por todos vcs... e como se diz a Bá, vcs são diferentes, meus primos-irmãos Kathi e Pedro. Saudades gigantes de ter o Edin na minha casa, enchendo o saco de td mundo ! hahahaha

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    1. Pedro vc é incondicionalmente lindo.Pena que meu querido irmão ñ ter desfrutado dessa pessoa maravilhosa que vc é.Mais embora as coisas ñ terem saído como deveria ser realmente...saíba q ele te amava muito e sei q ama msm.Pq eu escutava isso direto."Eu amo os menino Mara".É em vc q eu to tirando forças pra suportar essa dor meu sobrinho .

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  2. Pedro querido, meus sentimentos !!!
    eu sei o que vc ta passando, eu tbem perdi o meu e doeu muito.
    Li sua mensagem e chorei... chorei porque me lembrei um pouco da minha,mas como vc disse Deus é imensamente bom.
    Um grande bjos e que Jesus te conforte.

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  3. Lindo texto irmão.

    Sem palavras para descrever meus sentimentos agora...

    Que DEUS seja contigo aí.

    #SOMOSUM

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  4. Puxa Pedro! Lindo o texto! Me emocionei bastante. Você conseguiu colocar tudo pra fora.
    Um grande abraço!

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  5. Emocionante demais, cara como vc conseguiu arrancar palavras tão profundas e sinceras? Que todo conforto lhe seja concedido!

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  6. Seu pai deixou um grande tesouro pra nós: você. abs

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