quarta-feira, 15 de maio de 2013

Hino ao Amor





Eu poderia falar todas as línguas que são faladas na terra e no céu. Poderia falar de forma articulada; coerente; segura. Mas se eu não tivesse o Amor as palavras se perderiam no tempo. Só sei falar sem dizer. Escondo minhas verdades nas entrelinhas e nos signos.

Eu poderia estar me formando em Teologia e posteriormente ser ordenado ao ministério pastoral e me sufocar pelas quatro paredes de uma igreja e pela administração eclesiástica. Mas pelo Amor, escolhi fazer a mesma coisa porém seguindo outro caminho. Lancei mão da arte, da mídia e da comunicação, onde encontrei vida, para otimizar o serviço no reino.

Eu poderia ter sustentado a performance de filho perfeito, convencional e inexpressivo. Mas pela honestidade do Amor aquelas fendas submersas que toda família tem, se abriram e tudo em que me escondia veio à tona. E só pelo Amor, quem me recebeu e me tomou no colo foi a pessoa que me ama mais do que qualquer outra no mundo, minha mãe. Ainda que com erros e acertos a imagem de melhor mãe que ela pôde ser e o melhor filho que pude ser permaneceram intactas porque construímos isso juntos um na vida do outro.

Eu poderia ter permanecido em toda a minha linearidade sobre-humana, frio, incapaz de se permitir entregar aos seus sentimentos. Mas sem o Amor, eu nada viveria. Estava distraído e antes que me desse conta, nesse Amor eu já havia me entregado. Foi natural, sem pensar nem ponderar. Deslumbrei-me com a sensação de despertar o brilho em outros olhos quando me vissem. Apostei todas as fichas e perdi. Perdi, mas ganhei. Como dizia meu herói da literatura brasileira: 
"Valeu a pena eu haver vivido toda a minha vida só para poder ter vivido esse momento. Há momentos efêmeros que justificam toda uma vida."
Somos equilibrados e maduros só até nos apaixonarmos. Ficamos bobos como as crianças, nos expomos como adolescentes, mentimos como os adultos e nos arrependemos como os velhinhos.

Quando eu era aquele menininho, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino. Agora que me tornei um homem, desisti das coisas de menino. É uma pena. Quando eu era menino, tudo era possível, eu faria tudo o que meus desenhos me mostravam e seria o que eu quisesse. Mas agora sou homem e sou o que a vida fez de mim. É até melhor do que quando eu era menino porque ela é real. Me olho no espelho e a cada ano que passa, a imagem do meu reflexo que antes tão embraçada, aos poucos revela sua nitidez e sua identidade. As espinhas que antes ilustravam minha testa, começam a ceder lugar para linhas que vão marcando o tempo. Minha sobrancelhas antes arqueadas, sempre sorrindo hoje estão mais franzidas; Aquele rosto tão expressivo, caricato cheio de caras e bocas se mostra mais indiferente. O menino vai, mas fica sua sinceridade espontânea, sua criticidade e criatividade, sarcasmo e questionamentos sobre tudo que o desperta.

Portanto, agora existem estas três coisas: A fé, a esperança e o Amor. Porém a maior delas é o amor - o eixo que conduz todas as coisas. É em nome do amor que lutamos, desistimos, voltamos, criamos, experimentamos, vivemos e persistimos. Foi pelo amor que fez Deus descer dos céus até uma cruz, o amor da minha Mãe, dos meus amigos, o amor por aquilo que acredito que me trouxe de volta para a vida que quase desisti. Hoje me olhei novamente no espelho, ainda está um pouco embaçado, mas não encontrei aquela imagem de derrota; encontrei um filho amado.

Que sejamos todos entregues ao Amor. Ao amor à vida, amor ao próximo, amor próprio amor pelo que fazemos. O equilíbrio fará com que este conceito absoluto nos guarde dos sofrimentos que pode causar. Em cada momento ele tocará um soneto e devemos dançar de conforme a música. Tudo que se dispõe para nós é para ser vivido. Os momentos de beleza são para serem desfrutados; o luto é para ser chorado; a paixão é para ser arrebatadora; a chegada para o gozo e a partida, para o pranto; O serviço para nos fazer útil; e a vida para ser amada. Os momentos vão sempre passar e o Amor sempre permanecer. Só Ele é eterno.


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Casa na árvore




Eu sempre gostei da vida noturna; poder acompanhar o cair da noite, o sol se pôr e a cidade se acender; todas as luzes urbanas brilhando como uma grande constelação bem próxima. Bastam-se as portas se trancarem, as famílias se recolherem para todos os marginalizados ganharem as ruas; seu espaço tão desejado e tão condenado. Os catadores enfim podem pegar seu papelão e repousar; As prostitutas se colocam na vitrine; Os que buscam drogas e sexo percorrem a avenida como quem vai para a feira; Os ratos e as baratas desfilam mais seguros sem os gritos e repúdios. Já eu, muito embora não esconda o fascínio por essa dinâmica da vida noturna nunca fui um boêmio. Geralmente durante a madrugada estaria em alguma conversa mais saidinha no falecido MSN, ou escrevendo algum texto, ou desenvolvendo alguma idéia de peça gráfica.

Hoje tudo mudou. Passei a temer a noite. Nas madrugadas que passo em claro e olho pela janela, sinto angústia; ela me alerta perigo e me assombra. Todo este medo que antes não sentia e que hoje sinto é na verdade da morte. Nunca havia visto sua cara, nem flertado com ela. O luto que hoje visto já deixou tudo escuro demais pra eu ainda contemplar a noite. Não sei quanto tempo dura o luto, mas o meu já faz quatro meses. Levaram meu Pai, levaram meu amigo, levaram meu emprego, levaram meu ministério. Perdas significativas e consecutivas que me desestabilizaram e me deixaram onde estou hoje: No nada.

Percebam que usei o verbo na terceira pessoa ‘levaram’ para mascarar uma certa culpa que sinto por todas essas perdas. O que dói mais na morte do meu Pai não é pela falta que ele faz, pois de certa forma já havia me acostumado a viver sem a presença dele. Dói é tudo que deixei de fazer por ele em vida, conversas que adiei e abraços que recusei. Perdi também meu melhor amigo pelos meus excessos e por não reconhecer nem demonstrar a importância que o outro tem em minha vida. Meu ministério, que significava tudo o que eu podia fazer de relevante no mundo com as ferramentas e os dons que tinha, por fim se resumiram a ativismo religioso. Já o emprego e todas as negligências nele cometidas foram conseqüências deste desequilíbrio emocional e social.

Por isso o medo da noite. Porque quando a cidade se cala, eu entro para o meu quarto, ponho a cabeça sobre o travesseiro e me lembro que sou só eu. Ainda bem que perdi o emprego e não tenho compromissos no outro dia, porque a noite é uma tormenta. Choro todos os dias com a mão na boca para não acordar ninguém e quando o sono pós-soluço chega, sou atormentado com pesadelos. E acreditem ou não, é sempre com meu Pai, com meu amigo ou com meu ex-chefe. Durmo e acordo mais cansado do que se tivesse passado a noite em claro. Desde que tudo começou, o único dia em que não chorei a noite foi um dia desses no ultimo feriado em que fiquei até umas 4:00 da manha conversando e rindo com meu grande irmão MV. Nunca fui de comer muito, mas hoje tenho bem menos apetite. Já emagreci 3 kg., estou mais offline, mais ausente, andando mais só, não tenho agenda nem compromissos marcados e os dias e finais de semana tem se arrastado mais que a segunda-feira. Datas especiais como o último Natal se tornaram entediantes, cansativas e sem sentido. Aliás, muitos sonhos, idéias, indignações e motivações morreram ou perderam o sentido. Tudo o que restou foi um grande vazio.

Rubem Alves¹ disse que “A vida não pode ser medida por batidas de coração ou ondas elétricas. Como um instrumento musical, a vida só vale a pena ser vivida enquanto o corpo for capaz de produzir música, ainda que seja a de um simples sorriso.” Pensando nesse trecho e refletindo sobre tudo isso, me perguntava como podemos continuar vivos, se toda beleza, poesia e motivação dentro de nós se acaba. A resposta é obvia. A vida só acaba com a morte – fim ultimo. Ainda que nos falte razoes para viver, existe toda uma vida lutando para sobreviver dentro de nós. Essa vida é o sangue circulando dos nossos pés a cabeça; é a troca gasosa que nossos pulmões fazem; são os linfócitos produzindo anticorpos para nos imunizar. Por mais dura que seja a noite, só o fato de acordarmos é sinal que existe um universo inteiro no nosso organismo trabalhando para que estejamos de pé no outro dia.

A vida não nos isenta de sofrermos dores e perdas, mas ela também oferece nesse tempo de luto; de deserto, oportunidades de crescermos. Sinto que o meu tempo está acabando e não sei se aprendi alguma lição muito importante ou se deixei de ver as possibilidades de recomeço por estar ocupado demais alimentando a dor. Mas gostaria muito de construir algo nesse tempo que ainda me resta. Pensei em construir uma casa.

Não posso me permitir construir uma casa na areia, pois as ondas do mar a levaria com mais facilidade do que o tempo que a construiria. Seria só mais um engano; emoção passageira e não posso me dar ao luxo de colocar meu coração à prova.

Uma casa na rocha seria bem mais interessante e mais sábio; poder estruturar minha vida sobre uma base mais sólida e mais segura. Porém, pra ser honesto, minha fé já não está tão consistente e não sei se chegaria tão alto de onde estou hoje.

Só me resta construir uma casinha na árvore. Da morte, resta-se o pó e do pó nascem as árvores que nada mais são que vida que brota da morte. Este é o lugar que preciso construir para mim agora. Uma casa em uma árvore escondida da urbanidade e da manipulação do homem. Árvore que se alimenta de luz e que não teme as sombras da noite, pois usa-se dela para regar suas folhas com o frescor de seu orvalho. Uma árvore que cresce, seca, floresce e dá frutos. Uma árvore bem verde que contemple esperança, recomeço e teimosia de vida.


1. ALVES, Rubem - Do Universo à Jabuticaba - Editora Planeta do Brasil, 3ª edição, Pg. 21, São Paulo, 2012.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Dicotomia


Deus; Diabo.
Céu; Inferno.
Bem; Mal.
Certo; Errado.
Sagrado; Profano.
Divindade; Humanidade.
Redenção; Perdição.
Fé; Razão.
Simplicidade; Complexidade.

EU.

Não é um; Não é outro;
Sou eu.

Não posso escolher entre dualismos.
Não devo me fragmentar para me encaixar.
Não consigo ser igual pra ser normal.
Não tenho performance pra convencer.
Algemado sigo para o banco de réus primários.
Em minha defesa direi o silêncio.
Não consigo me convencer de que sou culpado.
Por que querer escolher o que não consigo ser,
Quando na verdade nunca tive escolha.


pedroovidio